
O Manual de Políticas sobre Inteligência Artificial e Liberdade de Expressão (SAIFE), da Representante OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) para a Liberdade dos Media (RFoM), foi lançado no passado dia 26 de janeiro.
O documento resulta de 2 anos de investigação e workshops de especialistas e, através de recomendações centradas nos direitos humanos e salvaguarda da liberdade de expressão no uso de inteligência artificial, visa providenciar orientação aos Estados participantes OSCE sobre como desenvolver e implementar respetivos salvo-condutos na moderação e curadoria de conteúdos via IA.
A sessão de abertura ficou a cargo da Representante OSCE para a Liberdade dos Media (RFoM), Teresa Ribeiro. Um painel de especialistas, composto pelos quatro presidentes dos workshops SAIFE desenvolvidos a montante, apresentou as principais conclusões e recomendações do manual. Seguiu-se ronda de declarações Eps, com comentários introdutórios RPs Finlândia e Países Baixos e RPAs Suíça e EUA.
Teresa Ribeiro descreveu como a alocação de conteúdos orientada para lucro, por via
automação e IA, impacta negativamente a liberdade de expressão e contribui para que um grupo restrito de agentes económicos atue como "guardião" da informação, independentemente do "bem público". Nesse sentido, assinalando o 25.º aniversário da criação do mandato RFoM como oportunidade para combater ameaças emergentes à liberdade dos media no espaço OSCE, apresentou o Manual de Políticas SAIFE como um conjunto de recomendações transversais e guia para que os Estados garantam espaços de informação online respeitantes dos padrões de direitos humanos, com base nos princípios-chave de transparência, responsabilização e supervisão pública.
Apresentação do Manual de Políticas SAIFE
O painel de oradores apresentou um conjunto de recomendações no campo de ação referente à deteção e avaliação conteúdo ilegal, incluindo ameaças à segurança, curadoria conteúdo extremista e terrorista e conteúdo potencialmente prejudicial, mas legal, com particular ênfase no discurso ódio, pluralismo dos media e publicidade com base em vigilância.
Recomendações apresentadas, assentes nos princípios-chave transversais supramencionados, sublinham a obrigação positiva do Estado para com salvaguarda dos direitos humanos e, consequentemente, responsabilidade decorrente de violações.
As recomendações incluem, a título de exemplo:
i) exigência de prova de utilidade e impacto de determinado algoritmo, tendo como pressuposto a sua transparência e proporcionalidade;
ii) mecanismos de bloqueio, alerta e desmonetização automáticos;
iii) investigação que oriente a atuação pública;
iv) garantias cooperação com agências de cumprimento da lei;
v) promoção de literacia digital dos utilizadores-cidadãos.
Discussão
RP Finlândia, Embaixador Vesa Häkkinen, colocou a tónica na importância da literacia do utilizador-cidadão. RP Países Baixos, Embaixador Jeroen Boender, e RPA Suíça, Riccarda Torriani, discorreram sobre como estratégias e respetivos planos nacionais coincidem com recomendações do manual, tendo Embaixador Boender feito votos de que Digital Service Act da UE venha a tornar-se documento e referência mundial.
RPA EUA, Courtney Austrian, comentou dicotomia do uso IA que, em última instância, pode conduzir discriminação, tomada de decisão pouco transparente e mecanismos controlo social, informando sobre iniciativa nacional de carta de direitos numa sociedade automatizada.
União Europeia saudou lançamento do Manual e aplicabilidade dos DH online e offline,
reiterando compromisso em fazer da internet espaço aberto, não-fragmentado e seguro para todos com respeito pela privacidade.
Intervieram ainda Eps patrocinadores da iniciativa, entre eles França, Suécia, Chéquia, Noruega e Bulgária, tendo França assegurado reforma do mundo digital como prioridade da Presidência Francesa do Conselho da UE, incluindo Digital Services Act, e Suécia recordado prioridade PeE 2021 concedida à liberdade de expressão na era digital.
Recomendações
O Manual apresenta 14 recomendações aos Estados participantes OSCE, que se podem sintetizar da seguinte forma.
Proteção e promoção da liberdade de expressão e outros direitos humanos como centro das estratégias e políticas relacionadas com IA, assim como assegurar, incluindo a nível multilateral.
A internet deve ainda ser preservada como espaço para pluralismo dos media, participação e representação democrática. Políticas inclusivas, devidamente sustentadas, devem ser desenvolvidas de modo a responder aos obstáculos às liberdades de opinião, de informação e de expressão.
Os Eps necessitam também de prevenir a priorização da maximização de lucros à custa dos direitos humanos e valores democráticos, promovendo a conformidade com os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos. Ademais, devem impor às plataformas online a realização das devidas diligências em matéria destes direitos.
Recomenda-se, igualmente, o estabelecimento de quadros legislativos transparentes, inclusive através de relatórios de transparência com informação detalhada sobre utilização da IA, devendo os Eps impor clareza, explicabilidade e acessibilidade sobre o uso desta ferramenta para moderação e tratamento de conteúdos e publicidade direcionada. Deve ser providenciada transparência sobre
parcerias público-privadas e abordar monopolização de mercados.
Conjuntamente, é essencial assegurar que a proteção dos direitos humanos não é completamente terceirizada ou automatizada, garantindo igualmente a existência de mecanismos fortes contra censura e vigilância.
Os Eps devem ainda garantir a responsabilização, através de supervisão e auditoria independentes, em conformidade com direitos humanos e não-discriminação. Por fim, o relatório recomenda aos Eps o respeito pelo direito à privacidade e proteção de dados, inclusive identificando limites à publicidade personalizada através de monitorização online, para além da promoção de literacia digital e dos media, e fortalecimento de empoderamento e controlo dos utilizadores sobre a administração de conteúdos e a utilização dos seus dados.
O Manual em questão encontra-se disponível na íntegra na página da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), AQUI .